terça-feira

Solidão Pós-Moderna

Rubem Amorese


O Século XXI é mutante. Isso não chega a ser novidade, se pensarmos que o homem sempre esteve, digamos, evoluindo. A ciência e a tecnologia estão aí, dando saltos imensos, em frentes que vão da microbiologia e seus transgênicos à busca do deslindamento da história do universo, através das lentes de poderosos telescópios.

Somos mutantes, no entanto, no sentido de que nossa humanidade se perde nessas mudanças. Elas são em número e velocidade acima de nossa capacidade de absorção. Alienação passa a ser um antiácido a ser ingerido juntamente com a salada de frutas de informação que temos que deglutir todo dia.

Nossa desumanização começa, por exemplo, quando abrimos mão da casa paterna para tentar a vida em uma outra cidade ou país — e nunca mais voltamos. Nossos pais ficam sem netos e nossos filhos sem avós e tios. E nossa história, nossos valores, ideais, referenciais e heróis; nosso patrimônio simbólico, enfim, se perde na distância.

Longe da família e da igreja de origem, buscamos formar uma nova família. Uma família plasmada na correria da vida, na superficialidade, na sensualidade e na urgência oriunda de uma crescente carência afetiva. Tentamos reter na memória a nossa velha humanidade, mas já não nos sentimos à vontade abrindo o coração, falando do mundo interior, de sonhos, de ideais, de projetos de vida que, eventualmente, possam ser vividos a dois. "Ficamos" até onde for possível.

No ambiente de trabalho, as relações são cordiais o suficiente para esconder a luta encarniçada estabelecida pela competição: somente os mais adaptados sobrevivem. Os encontros, festas, almoços e jantares de negócio são o que resta dos laços cálidos e duradouros dos companheiros da infância.

Para sobreviver nesse ambiente hostil e exigente, pai e mãe precisam trabalhar. Para serem alguém, algo mais que simples "mão-de-obra", precisam de toda a energia disponível para tocar uma carreira de sucesso. Precisam vencer na vida. E essa vitória não comporta filhos. Pelo menos não do jeito antigo: filhos para serem amados em um convívio extenso e intenso. Agora eles são "curtidos" nos finais de semana em que não estejamos viajando a serviço. Durante a semana, terão uma boa educação numa creche ou numa escola de tempo integral. Desmamados cedo, eles aprendem a ser independentes.

Quando o divórcio vem (a carreira pode exigir), eles passam a viver ora com o pai, ora com a mãe — e com seus meio-irmãos, oriundos do novo casamento do pai e da mãe.


Não tenhamos pena desses nossos filhos. Eles se adaptarão. Sobreviverão e serão parecidos conosco. Não, serão melhores. Serão mais fortes e resistentes às distâncias, indiferenças e separações. Serão adaptados a um mundo onde não se olha para dentro, para a alma; aprenderão a ligar a televisão para não ouvir o silêncio; aprenderão a se ligar às pessoas sem chegar perto; aprenerão a confiar desconfiando e a não esperar misericórdia; aprenderão a fazer amor sem amar; aprenderão a viver no Século XXI. São mutantes.

Alguns deles, um dia, numa praça, numa esquina, numa igreja, ouvirão dizer que "Cristo salva". E pensarão: "oras, não estou morrendo!". Outros, no entanto, compreenderão que nEle lhes é possível uma nova e antiga humanidade — a humanidade original, na qual o colo do pai, da mãe, de tios e avós lhes é restaurado no mistério da igreja; no milagre da regeneração de seu próprio interior. Salvação. Nossos filhos mutantes, perdidos e órfãos ouvirão: "assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus" (Ef 2, 19) — e crerão.

A Força do Amor

Aos nossos mais implacáveis adversários, diremos: “Corresponderemos à vossa capacidade de nos fazer sofrer com a nossa capacidade de suportar o sofrimento. Iremos ao encontro da vossa força física com a nossa força do espírito. Fazei-nos o que quiserdes e continuaremos a amar-vos. O que não podemos, em boa consciência, é acatar as vossas leis injustas, pois tal como temos obrigação moral de cooperar com o bem, também temos a de não cooperar com o mal. Podeis prender-nos e amar-vos-emos ainda. Assaltais as nossas casas e ameaçais os nossos filhos, e continuaremos a amar-vos. Enviais os vossos embuçados perpetradores da violência para espancar a nossa comunidade quando chega a meia-noite, e, quase mortos, amar-vos-emos ainda. Tendes, porém, a certeza de que acabareis por ser vencidos pela nossa capacidade de sofrimento. E quando um dia alcançarmos a vitória, ela não será só para nós; tanto apelaremos para a vossa consciência e para o vosso coração que vos conquistaremos também, e a nossa vitória será dupla vitória”. O amor é a força mais perdurável do mundo. Este poder criador, tão belamente exemplificado na vida de nosso Senhor Jesus Cristo, é o instrumento mais poderoso e eficaz para a paz e a segurança da humanidade. Diz-se que Napoleão Bonaparte, o grande gênio militar, recordando a sua anterior época e conquistas, teria observado: “Tanto Alexandre como César, Carlos Magno ou eu próprio, criamos grandes impérios. Mas onde se apoiaram eles? Unicamente na força. Jesus, há séculos, iniciou a construção de um império fundado no amor, e vemos hoje ainda milhões de pessoas que morrem por Ele”. Ninguém pode duvidar da veracidade dessas palavras. Os grandes chefes militares do passado desapareceram, os seus impérios ruíram e desfizeram-se em cinza; mas o império de Jesus, edificado solidamente e majestosamente nos alicerces do amor, continua a progredir. Começou por um punhado de homens dedicados que, inspirados pelo Senhor, conseguiram abalar as muralhas do Império Romano e levar o Evangelho ao mundo todo. Hoje, o reino de Cristo na terra compreende mais de um bilhão de pessoas e reúne todas as nações ou tribos. Ouvimos hoje de novo a promessa de vitória:


Jesus há de reinar enquanto o sol fizer sua viagem cada dia;

o seu Reino irá de costa a costa até que a lua deixe de mudar.

A que outro coro, alegremente, responde:

Não há em Cristo Leste ou Oeste, n’Ele não há Norte nem há Sul, mas a grande unidade do Amor por toda a vasta terra inteira.

Jesus tem sempre razão. Os esqueletos das nações que o não quiseram ouvir enchem a História. Que neste século vinte, nós possamos escutar e seguir as suas palavras antes que seja tarde demais. Possamos nós também compreender que nunca seremos verdadeiros filhos do nosso Pai do céu sem que amemos os nossos inimigos e oremos por aqueles que nos perseguem.
Martin Luther King Jr.
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